Evelyn Kligerman.

por Rafael Cardoso

Quem não conhece a obra de Evelyn Kligerman não sabe o que está perdendo. Quem conhece, talvez não se surpreenda mais com a peculiar articulação de delicadas placas de cerâmica com ferro e cabos de aço, gerando uma tensão característica entre força e delicadeza, peso e leveza, matéria e idéia.

Deveriam contudo se surpreender.Trata-se de uma linguagem não somente de forte apelo plástico, como também bastante original. Numa época em que a escultura anda sofrendo em silencio uma ligeira crise de identidade – acabrunhada por sua relação ambígua com as instalações e as construções – toda originalidade precisa ser cultivada com a obstinação e o carinho que se dedica a uma muda tenra de planta ameaçada pelo sol escaldante de verão.

As pessoas costumam encarar a originalidade como um privilégio, uma dádiva divina, porém, na maioria das vezes, corresponde muito mais a um fardo para quem a detém. Ser original é ser diferente, esquisito, até mesmo incompreendido. Trabalhos inovadores podem simplesmente passar despercebidos por uma contemporaneidade que não tem olhos para enxergá-los. Por sua trajetória ímpar, Evelyn não teve outra opção senão ser original. Tendo apenas iniciado sua vida artística no Rio de Janeiro dos anos 70, partiu muito jovem para um longo mergulho em outras culturas de tradição plástica antiga e profunda. As décadas passadas no México e Costa do Marfim deixaram marcas nítidas, moldando-lhe no ofício da cerâmica com firmeza e fineza raramente vista entre nós.

Afinal, contam-se nos dedos os artistas de cunho erudito que por aqui buscaram no barro seu principal meio de expressão.

A opção pela cerâmica aproxima Evelyn de outros escultores da mesma geração que priorizaram materiais comuns como ferro e madeira,, entre os quais: Ângelo Venosa, Ascânio MMM, Emanoel Araújo, José Resende.

É no diálogo com esses contemporâneos que seu trabalho deve ser compreendido. Como conciliar a ordem do legado construtivo com a desconstrução presente? Como conjugar a materialidade profunda com uma atualidade obsedada pelas aparências? Como consubstanciar a permanência do ser individual num mundo de identidades sempre em fluxo? Cada um à sua maneira, os escultores citados vem buscando as respostas. Também ao seu modo, antes de tudo originalíssimo, a obra de Evelyn tem sua contribuição a fazer. Está na hora de colocar de lado a estranheza, de pôr fim ao longo exílio pessoal e de acolher a artista no seio de um debate escultórico ao qual ela já chega madura.

Rafael Cardoso – Crítico de Arte

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